João tinha 11 anos quando foi vítima de abuso sexual. A agressora era a prima 7 anos mais velha.


João tinha 11 anos quando foi vítima de abuso sexual. A agressora era a prima 7 anos mais velha. João (nome fictício) tinha por hábito passar os fins-de-semana em casa dos tios. Costumava ir sábado de manhã e voltava domingo à tarde. Durante as férias de verão era capaz de passar uma semana inteira.

O João não se sentia muito confortável com as brincadeiras da prima, mas como era mais velha e era ela que tomava conta de si, anuía.

A prima que costumava ficar responsável por João aproveitava os momentos quando estavam os dois sozinhos para “brincarem” a algo que era só deles, mais ninguém podia saber. Eram brincadeiras secretas garantia a prima, apelando ao secretismo desses momentos. Os adultos não iriam compreender e se descobrissem poderia haver consequências graves. O João não se sentia muito confortável com as brincadeiras da prima, mas como era mais velha e era ela que tomava conta de si, anuía. Em idade adulta João recorda como a prima o masturbava e que era comum praticarem sexo oral como parte dessas “brincadeiras”.

Em idade adulta João recorda como a prima o masturbava e que era comum praticarem sexo oral como parte dessas “brincadeiras”.

Meses depois João começou a não querer ir para a casa dos tios. No entanto não conseguia verbalizar porquê nem dar uma resposta que fosse satisfatória para os pais que achavam que estava a “fazer fita”. Para todos os efeitos não havia nada aos olhos dos pais, que fosse justificativo para não ir para a casa dos tios a não ser a viagem obrigatória de hora e meia de carro. João lembra-se de ser um pouco mais agressivo em certos dias para dizer que não queria ir, mas não resultava em nada, eram “birras típicas de pré-adolescentes”.

Durante a adolescência e idade adulta João pensou no suicídio como forma de resolver os “fantasmas”, lutou contra desejos e comportamentos que revelavam hipersexualidade, o que por sua vez aumentava o seu silêncio e sentimento de culpa – duas consequências partilhadas por muitos homens vítimas de abuso sexual também referidos como sobreviventes homens.

João só conseguiu falar com alguém sobre o que se tinha passado mais de 20 anos depois. Tal como muitos outros homens vítimas de abuso sexual passaram-se 25 anos depois de o abuso ter começado. Normalmente os homens falam com alguém sobre terem sido abusados sexualmente na infância 10 anos mais tarde do que as mulheres, em média 22 anos após o abuso ter acontecido (O’Leary, P., & Gould N. – 2009).

“só podia ser a pior pessoa do mundo”

João debateu-se toda a sua vida com o facto de ter sido vítima de abuso sexual e questionou-se durante anos porque tinha sido ele o escolhido para aquelas “brincadeiras”, chegando à conclusão de que se algo tão mau lhe tinha acontecido era porque merecia, porque “só podia ser a pior pessoa do mundo” – outro sentimento partilhado por muitos homens. Os homens não podem ser fracos, nem vítimas; reconhecer isso afecta muitas vezes as noções e os atributos associados à masculinidade. Pelo mesmo raciocínio passar por uma experiência traumática de abuso sexual é porque a criança é realmente a pior pessoa do mundo. Muitos sobreviventes homens acreditam nessa “verdade”.

“a exploração do corpo é algo perfeitamente natural entre vizinhos, primos e até irmãos”

Aos 36 anos João conseguiu reunir forças para procurar um psicólogo, no entanto não obteve a resposta que desejava. As palavras que ouviu foi “a exploração do corpo é algo perfeitamente natural entre vizinhos, primos e até irmãos”. João refutou que a prima o coagia a fazerem sexo oral, quando ela tinha 18 anos e ele 11, mas a resposta não mudou.

No que toca à violência sexual masculina os casos de abuso nem sempre são vistos como crime, como são mal diagnosticados ou passam mesmo despercebidos (Holmes, W.C., & Slap, G.B. – 1998). Após essa resposta João continua a sentir que a sua experiência de abuso sexual não era legítima e que não se enquadrava em nenhuma situação de abuso sexual.

Tal como muitos outros homens sobreviventes João acabou por conseguir redireccionar a culpa e vergonha para a prima, reconhecendo a realidade do que lhe aconteceu.