Acredito que este testemunho é mais uma barreira ultrapassada e acredito também que quebrar o silêncio é importante para encontrarmos mais estabilidade emocional para seguir com a minha vida, e ter força para trabalhar internamente aquilo que está guardado. Não existe uma fórmula mágica para apagar tudo que vivi e começar novamente do zero, mas, existe apoio e orientação, que nos ajuda a conviver e tratar as lembranças que nos acompanham.
Procurei a associação para compreender alguns contextos vividos e as ligações com os abusos que sofri na infância. Confesso que não foi fácil, primeiro porque o acto de deixar outras pessoas conhecerem as minhas dores internas era algo complicado.
Devido aos abusos a que fui submetido criei uma resistência em não falar sobre isso, e também porque depois de tudo o que me aconteceu, passei a não confiar em ninguém. Esses eram alguns dos factores que sempre me deixaram em modo de defesa e que sempre interferiram em todas as minhas relações até o momento actual, relações afetivas ou não.
Comecei a observar que muita coisa foi afetada na minha vida. Sentia-me deprimido, ansioso, inseguro, desconfiado e triste. Imaginava que havia algo relacionado com tudo o que passei, e mesmo depois de passar por outros psicólogos, eu sabia que havia coisas que eu não tinha abordado na terapia, foi aí que um amigo indicou a associação Quebrar o Silêncio.
Os abusos que aconteceram comigo começaram cedo… A primeira vez aconteceu quando era criança, e quando contei à minha mãe e ela bateu-me… Então eu silenciei… A partir desse episódio, outros abusos foram acontecendo, inclusive quando me tornei adulto.
Silenciar sobre tudo e sobre todos tornou-se comum. Tornei-me um acumulador de sentimentos e traumas, que só me fizeram mal.
Tive os piores sentimentos durante a minha adolescência, pois sentia-me atraído pelo primeiro abusador, que era um tio. Muitas vezes desejei que ele morresse, outras inúmeras vezes eu desejava morrer… Passei toda a minha adolescência isolado, sem amigos, sem colegas, só eu e os meus pensamentos. Tinha medo de ser abusado, muitos dos meus pensamentos eram direcionados a Deus, em que pedia para ele acabar com aquele sofrimento, ou se ele existia, por que razão deixou que aquelas coisas acontecerem. Hoje ao olhar para trás, observo que não tenho histórias sobre quem fui na adolescência, ou do que vivi, é como se existisse um espaço em branco.
Quando entrei na universidade, conheci um dos diretores do curso, que me atraiu para a sua casa, e onde abusou de mim e me violou. Depois desse acontecimento, eu silenciei mais uma vez, pois já estava habituado a silenciar durante toda a vida, e apesar de tudo, eu sempre me questionei o porquê de aquilo ter acontecido, se eu não o permiti a tocar-me. Esse foi mais um trauma que me atordoou por muito tempo, e como reflexo disso sempre tive ansiedade e medo de ficar sozinho com homens, fossem eles amigos, chefes, professores, familiares ou outros que eu tivesse de estar sozinho no mesmo espaço e que estivesse próximo de mim, mas graças ao apoio da associação eu conseguir chegar a várias memórias que estavam guardadas, e hoje estou a tratá-las.
As sessões foram muito importantes para mim. Eu sempre vivi entre altos e baixos, mas durante as sessões pude obter mais confiança em mim e em algumas pessoas que estão próximas. Foi um período muito importante, senti-me bem recebido, ouvido, apoiado, e mesmo com as dificuldades nas tarefas diárias, ou do trabalho, eu sempre estive presente nas sessões, pois, sentia e entendia que me faziam bem e que a prioridade que eu tinha que ter era justamente comigo próprio.
Procurei em cada sessão trabalhar e expurgar um pouco do que fui emocionalmente acumulando em cerca de 28 anos… E tenho certeza que hoje tenho mais força para continuar a desconstruir tudo o que estava guardado dentro de mim.
Não foi fácil sobreviver a tudo o que passei. Se fosse detalhar aqui cada facto, acredito que não haveria espaço para tantas aflições transformadas em texto, mas o que importa é que tudo passou, e que ficou lá atrás, cabe a mim agora, aos poucos continuar o trabalho interno que comecei com o apoio da Associação.
O que quero deixar como mensagem a outros homens que possam ler este testemunho, é que: é possível seguir, é possível sobreviver a tudo isto, é possível ver que não estamos sozinhos, e que o apoio da associação pode ajudar-te a compreender como tratar as aflições internas, mas para isso é preciso quebrar o silêncio para te ajudares a ti próprio.
Agradeço ao Ângelo e a Dra. Filipa pelo espaço, pelo apoio e por toda ajuda que me proporcionaram durante estes meses, sem pedirem nada em troca. Sei que este foi o passo inicial para eu continuar este trabalho interno que agora só depende de mim.
Gratidão à associação.
Rodrigo