Pedro – 36 anos


Contactei a Quebrar O Silêncio há quase um ano. Os meses que precederam esse primeiro pedido de ajuda foram o culminar de anos que se transformaram em décadas de dúvidas, medos e destruição. Autodestruição. E ainda assim, até ao último instante, hesitei fazê-lo, tentando arranjar uma qualquer desculpa para fugir à promessa que tinha feito a mim mesmo: deixar-me ajudar.

Não é fácil explicar o que se sente no momento em que sofremos, na pele, um abuso. Deixamos de ser nós mesmos e passamos a ser de outrem. Delineado, recortado, destruído. Por outrem. Tornamo-nos estranhos no nosso próprio corpo e passamos a viver com aquele momento, aquela pessoa no nosso dia-a-dia. Por vezes podemos ter a ilusão que os deixámos para trás, momentaneamente libertos daquelas mãos, daquele cheiro. Mas não passa de uma mera ilusão, rapidamente voltamos a ter a sua companhia, a sua presença na forma como uma outra pessoa falou, ou tocou, ou simplesmente olhou. Somos novamente rodeados, novamente enclausurados nos nossos próprios fantasmas. Não é difícil entender o que nos afasta das pessoas, o que nos magoa, o que nos mata.

E, no entanto, não é fácil explicar o que nos mantém no silêncio durante anos, largos e demasiados anos. Depois do que nos foi feito, depois do que nos foi imposto mantemo-nos invisíveis. São questões que, desde crianças, nos surgem diariamente: “Serei eu o culpado?”; “Mereci-o?”; “Acreditará alguém em mim?”; “Serei hoje menos homem por isso?” São estas questões que, por mais óbvias hoje me possam parecer, tentei dar resposta no passado. Dia após dia. Sozinho.

Mas, ao contrário dos filmes, não existem aqui heróis solitários. E é assim que surge a Quebrar O Silêncio na minha vida. Uma Associação erguida com base na confiança, na entreajuda, na confidencialidade e no empoderamento dos homens que a procuram. Porque se ao longo de quase 20 anos tentei responder a todas estas questões sozinho, a verdade é que uma das partes mais difíceis de todo este processo é convencermo-nos que temos efetivamente as respostas em nós. Que, com 8 anos de idade, não fui efetivamente culpado. Que, com 8 anos de idade, efetivamente não o mereci. E que hoje não sou menos homem por isso. Efetivamente. Com a fundamental ajuda que recebi da Quebrar O Silêncio vou, aos poucos, convencendo-me de todos aqueles efetivamentes e mais alguns. E neste último ano consegui dar respostas definitivas a várias das questões que me acompanharam durante estas décadas. Sim, alguém irá acreditar em mim. Sim, alguém irá apoiar-me. E, sim, alguém irá ajudar-me a deixar de ser um estranho de mim mesmo. Essa é uma das primeiras certezas que precisamos ter para nos permitirmos ser ajudados, pois esse é um dos passos fundamentais para que consigamos viver plenamente.

O pedido de ajuda deu-me a conhecer outros homens com histórias e processos bem distintos do meu, mas temos um ponto em comum que nos uniu e une. Sobrevivemos. Juntos. Dia após dia. Juntos.

Nota: a pedido do sobrevivente que quis assumir a sua identidade, este testemunho é assinado usando o seu nome verdadeiro.