O meu nome é Luís Miguel, tenho 56 anos de idade, e sou um sobrevivente de abuso sexual. Fui abusado sexualmente pelos meus dois irmãos mais velhos. Não sei exatamente que idade tinha, mas presumo que tenha sido entre os 6-7, e os 10-11 anos de idade.
Lembro-me de pouca coisa, mas é o suficiente para entender a vergonha, medo e raiva que senti sempre ao longo de todos estes anos. O suficiente para entender também o meu percurso de vida, desde criança: consumos constantes de substâncias psicoativas, dúvidas constantes sobre a minha capacidade individual, incapacidade constante de definir fronteiras emocionais… Nunca completo, nunca eu – como se a minha vida fosse uma história a que assisto, uma história a que procurei sempre retirar (ou ocultar) a minha vergonha, o meu medo, e a minha raiva.
Serei sempre eu, com tudo o que sou, faço e tenho, e com as marcas emocionais do abuso; uns dias mais difíceis, outros menos difíceis, mas em cada dia não aceitando que tenha acontecido, e não aceitando também a única resposta que tive de um dos meus irmãos: “Isso foram brincadeiras de criança em que todos participaram”, ou, igualmente inaceitável, a única referência ao assunto que tive da minha mãe – “Os mais velhos protegem os mais novos”.
Eu não estava a brincar, porque nem sabia o que estava a acontecer, e só participei porque estava lá, não porque tenha escolhido participar na “brincadeira”; já no que respeita à “proteção”, nem sei o que dizer.
Quando o abuso sexual de crianças, meninas ou meninos, acontece na própria “família” (incesto), ou com “pessoas” próximas da família, para além da violência que o abuso sexual é em si, outras coisas importantes são obliteradas: a confiança no próximo, a noção de proteção do núcleo familiar, e, acima de tudo, a noção de respeito por si próprio – e pelos outros. Passamos a sobreviver – só com esforço constante conseguimos – se formos capazes – de funcionar de forma socialmente equilibrada.
Quando cheguei à Quebrar o Silêncio, estava no limite da sobrevivência – sem exagero. O próximo passo poderia ser não sobreviver, o que acontece a tantos meninos-homens e a tantas meninas-mulheres sobreviventes de abuso sexual.
Por favor, a vosso favor, e a favor de todos, Quebrem o Silêncio.