José – 46 anos


EU SOU UM SOBREVIVENTE!
Peço desculpa por começar com caps lock, negrito, itálico e sublinhado, o meu testemunho. Esta forma como iniciei, foi a maneira que encontrei para exprimir o orgulho e alegria com que hoje o digo.

O meu nome é José e tenho 46 anos de idade e quase os mesmos de sofrimento silencioso. O facto de o meu nome constar, não se trata de vaidade e de querer aparecer. Mas sim, pelo facto de ter perdido o medo de ter sido vítima de abuso sexual. Algo impensável para mim no início do ano de 2018. Nasci na “maternidade” Associação Quebrar o Silêncio, pelas mãos dos parteiros Ângelo e Cláudia. O que acabei de escrever, representa o que eu achava de mim e da minha vida, para sentir que voltei a ter uma nova vida.

Nunca tive uma infância como a maioria das pessoas. Aos meus seis anos de idade, já tinha bastantes responsabilidades de um adulto. E muito antes dessa idade, já era usado como objeto sexual de alguns homens adultos. Penso que qualquer pessoa com um pouco de sentimentos, poderá imaginar o que daí pode advir.

Acreditem, o corpo violado ao nível físico, para mim, nada é e nada significa hoje. O que dói e o que ficou em trapilhos, foi a alma. Não saber o que é infância, não poder confiar em ninguém, com muita gente ao redor mas só no mundo. Certamente, uma criança que tenha de aprender as coisas da vida da pior maneira, irá ter grandes problemas e dificuldades ao longo da vida. É uma condenação perpétua. O que fiz para merecer isso? Simplesmente existir!

Os anos foram passando, a minha forma de agir com o mundo, foi sempre como se estivesse em estado de guerra com tudo e com todos. Isso, como é de imaginar, traz muitos outros problemas. Poderia enumerar muitas coisas do ser horrível que me tornei. Julgo, no entanto, que não vale a pena descrever o que já não existe.

Foi neste estado que cheguei às mãos dos parteiros acima referidos.

Nunca antes, tinha falado deste assunto com estranhos, só com a minha esposa. Não foi fácil para mim, chegar perto de outro homem e assumir que a minha masculinidade já não era pura. Mas o Ângelo, com a sua forma de ser e estar, não me fez sentir como se eu fosse um “extraterrestre”. Aceitou-me de imediato para que eu fosse acompanhado por um psicólogo da associação. Quando ele me diz que, o psicólogo é uma psicóloga, foi como um balde de água fria. Se já não foi fácil expor-me a um homem, era inconcebível para mim expor-me para uma mulher. E depois, o que sabe uma mulher sobre as dores de um homem sem nunca o ter sido? Foi assim que pensei e disse. Não muito convencido, e para dar uma oportunidade a mim mesmo de poder dizer “eu tinha razão”, lá aceitei o que seria a primeira e última consulta com a Drª Cláudia.

Não sei explicar, também não é importante, só sei que ao fim de alguns minutos, já não via uma mulher à minha frente. Ali estava uma excelente profissional que, afinal sabe bem o que ali está a fazer e que sabe mais das dores e necessidades de um homem ferido psicologicamente, do que eu mesmo sei de mim.

Chorei, alterei-me, ri e voltei a chorar. Os meses foram passando… 1, 2, 3,… comecei a sentir-me bem melhor, ainda que, estivesse longe de estar realmente bem. Deixei de contar os meses.

Foram vários meses que passaram até obter alta. Uma coisa que disse à Drª Cláudia na minha última consulta: “…tenho pena de só agora estar a descobrir coisas novas na vida e ter bem menos anos para tirar proveito.” Penso que isto que disse, mostra bem o tão bem e esperançoso me sinto.

Lamentavelmente, não nasci de novo, o mundo está longe de ser perfeito tal como eu. Sei que vou chorar ainda ao longo da vida. Mas graças a esta equipa da Quebrar o Silêncio, hoje, tenho a certeza, que depois do chorar, vou rir, rir muito e ser feliz. Hoje, sou capaz de traçar objectivos, desviar-me do que me faz mal e procurar a beleza do mundo, a minha beleza. Não há dinheiro que pague o que Eles fizeram por mim. Até porque, o amor não tem preço.

EU SOBREVIVI E AGORA TENHO UMA NOVA VIDA!

Sempre grato,
José