Para mim, esta é uma altura importante para falar do que me aconteceu, do abuso e da violação por que passei. É sempre importante falar dos nossos próprios problemas. Esta é a única forma de os arrancar do baú onde os guardamos e expô-los à luz para que percam o poder que têm sobre nós. Expô-los à luz diminui a vergonha e faz-nos sentir novamente mais humanos. Foi mesmo necessário virar-me completamente do avesso, e foi aí que vi que somos capazes de chegar à raiz dos problemas que deixaram a sua marca ao longo dos anos.
Agora, quando falo sobre eventos como este, capazes de alterar vidas, posso falar com mais força, mais claridade, mais compreensão e com menos emoção. As pessoas podem ouvir-me mais claramente, como se tivesse encontrado a minha voz. Como se me tivesse encontrado.
Isto deve-se em parte ao facto de ter participado nos grupos de apoio só para homens, mas também ao meu trabalho em mim mesmo. Foi aí que consegui perceber como estes eventos tiveram impacto na minha vida e como eu agora escolho o poder que eles têm sobre mim para o resto da minha vida.
Quando fui abusado aos 12 anos, varri o acontecimento para debaixo do tapete. Restava-me continuar a ser eu mesmo. Eu nem sequer sabia o que era abuso, quanto mais o que era transformar-me numa vítima dele. Depois do que aconteceu, fiquei extremamente transtornado, zangado e confuso. Como pessoas, estamos constantemente a tentar racionalizar as coisas para as tentar compreender melhor, para tentar perceber por que é que nós fomos afectados por elas. É o chamado síndrome do “porquê eu?”.
Sou, e sempre fui, uma pessoa aberta, que fala a partir do seu coração. Por isso, as coisas nem sempre correram bem com os outros, apesar de as minhas intenções serem boas. Ainda assim, isto ajudou-me na minha luta e a ligar-me à estrutura de suporte que existe para os homens vítimas de abuso.
Pela negativa, as pessoas à minha volta vêem-me como sentimental e por vezes instável. Até já fui descrito como sendo um pouco descontrolado. Se não tivermos ninguém com quem falar sobre estes assuntos sensíveis, as nossas emoções ficam amordaçadas e nós tornamo-nos voláteis, zangados e chateados com todos os que estão à nossa volta, e com nós próprios. Se nada disto tivesse acontecido, lá no fundo continuaria a ser a mesma pessoa.
Sou uma pessoa emotiva que fala e age com boas intenções. É fácil para as pessoas presumirem que o nosso comportamento é, de certa forma, um resultado direto do que aconteceu quando não gostam de algo particular em nós. Talvez não sejam capazes de lidar com a verdade ou com a crueza dos factos. Como homem afetado pelo abuso, é preciso uma capacidade enorme para digerir o que aconteceu e encará-lo de frente, em vez de tentar encontrar as respostas na bebida.
Foi muito bom conseguir interagir apenas com homens no grupo de apoio, dado que pretendia ser capaz de me identificar com outros homens. Tem sido extremamente difícil, e os meus relacionamentos e vida pessoal sofreram em consequência disso. Quando é que já chega? Eu estava mesmo pronto para escutar e ajudar-me a mim mesmo, e fazer o que fosse preciso. Ia fazer e pronto!
Tinha dúvidas que tinham de ser desbravadas. Encontrei o apoio de que precisava e foi fantástico perceber que era capaz de falar abertamente e ser compreendido sem qualquer tipo de julgamento. Senti-me aliviado e cheio de alegria por ser capaz de pegar em mim e voltar a estar disponível para o mundo.
O meu conselho é: ouça-se a si mesmo, permita-se curar e falar a sério. Ser ouvido e compreendido tem tido um efeito muito terapêutico e calmante em mim. Fez desaparecer a pessoa constantemente ansiosa, chateada e zangada que eu era. Não estou completamente curado, mas todos os dias estou mais perto de alcançar a minha felicidade. Sei isso porque estou novamente a viver, estou grato, e sempre estive, por tudo o que sou, mas agora estou ainda mais.
Sinto-me feliz porque fiz e porque falei, porque isso era o correto para mim. A decisão de procurar ajuda tem de ser sua. Mas no final, vai ficar contente por tê-lo feito.