Estratégias desadequadas de gestão das consequências da violência sexual


As consequências da violência sexual não terminam após o abuso. Uma experiência traumática desta natureza pode ter um impacto devastador na vida dos homens sobreviventes, muitas vezes ao longo da sua vida.

Vários sobreviventes permanecem em silêncio por mais de 20 anos até conseguirem partilhar com alguém o que lhes aconteceu ou até procurar apoio

Vários sobreviventes permanecem em silêncio por mais de 20 anos até conseguirem partilhar com alguém o que lhes aconteceu ou até procurar apoio; e há homens que só após 30, 40, 50 ou mesmo 60 anos conseguem quebrar o silêncio. Durante este longo período de tempo é comum que os sobreviventes desenvolvam estratégias de sobrevivência para lidar com o sofrimento que experienciam, estratégias estas que são muitas vezes desadequadas e que acabam por gerar fortes sentimentos de culpa e de vergonha.

Abaixo apresentamos alguns destas estratégias e que se manifestam da seguinte forma:

  • Evitamento de qualquer tipo de contacto íntimo ou relações de intimidade.
  • Consumo abusivo de álcool e drogas
  • Participação em discussões e agressões físicas e verbais.
  • Procura ativa de envolvimento em atividades de risco.
  • Envolvimento em relações abusivas.
  • Contemplação do suicídio.
  • Desinvestimento da higiene e cuidado pessoal.
  • Impulsividade nas decisões.
  • Envolvimento em relações sexuais casuais.
  • Incapacidade de se manter num emprego por um longo período de tempo.
  • Constante auto-desvalorização e procura de validação externa.

A realidade é que não existe um guião que dite como os sobreviventes devem reagir para gerir e ultrapassar as consequências da violência sexual.

A realidade é que não existe um guião que dite como os sobreviventes devem reagir para gerir e ultrapassar as consequências da violência sexual. No entanto, sabemos que os valores tradicionais da masculinidade têm uma forte influência na forma como lidam com essas mesmas consequências. Ideias estereotipadas sobre a masculinidade, reforçam preconceitos que um homem não pode ser vítima de violência sexual e que se tal acontecer é “menos homem” e “menos capaz” do que os outros. Esta visão errada da masculinidade e dos papéis de género, faz com que vários sobreviventes se sintam compelidos a reforçar a sua própria masculinidade, através de comportamentos hipermasculinizados e atitudes tóxicas.

É importante referir que esta necessidade, que é uma forma de sobrevivência, advém da pressão social para cumprir com os estereótipos de género e que é interiorizada pelo próprio sobrevivente, mas também pelos que o rodeiam. Em alguns casos de violência sexual na infância há pais que, quando têm conhecimento do abuso, exigem aos filhos que estes provem a sua masculinidade, inscrevendo-os em atividades “de homem”, como por exemplo futebol, rugby ou artes marciais, esperando deles comportamentos e atitudes agressivas.

Alguns dos sobreviventes acabam por ter comportamentos de escape, exercendo violência sobre si ou sobre outros, ao ponto de colocarem a sua vida em risco.

Alguns dos sobreviventes acabam por ter comportamentos de escape, exercendo violência sobre si ou sobre outros, ao ponto de colocarem a sua vida em risco. Para estes homens, tais eventos acabam por ter um duplo significado, pois fá-los sentir-se culpados pela forma como exteriorizam a sua dor, e também pela forma desadequada como gerem as consequências da violência sexual na sua vida.

Independentemente do tempo de silêncio, ou das consequências que o abuso tem na vida de cada sobrevivente, é importante ter em presente que é possível ultrapassá-las, assim como a culpa e a vergonha que as precedem.

Na Quebrar o Silêncio acompanhamos os sobreviventes nesse percurso, trabalhando em conjunto, para que adquiram as ferramentas necessárias para ultrapassar as consequências de uma experiência traumática de violência sexual.