A violência sexual acontece muitas vezes isolada e em segredo, e por isso nem sempre é óbvia, mesmo para quem a experiencia. Quando falamos de violência sexual contra crianças, a incorporação dos abusos como se fosse brincadeiras inofensivas, em momentos de exploração do corpo ou em demonstrações de afeto, pode contribuir para que a criança vitimada normalize esses atos de violência, dificultando a compreensão e o olhar objetivo sobre o abuso nos anos que se seguem. No entanto, mesmo que o sobrevivente não tenha uma perceção clara do abuso de que foi vítima, este continua a ter impacto e a gerar consequências em si. Estas podem ser mais ou menos visíveis, mas muitas vezes repercutem-se em alterações comportamentais que parecem não ter explicação. Podemos referir alguns casos como exemplo:
- uma criança ou jovem rapaz que sempre foi extrovertido e brincalhão e que passa a isolar-se e a deixar de gostar das brincadeiras que antes procurava,
- um menino que se tornou irascível, reativo e começou a ter problemas na escola, quando antes era calmo e bom aluno,
- um rapaz que era desligado e despreocupado e passar a procurar fazer tudo na perfeição e está sempre à procura de agradar.
Apesar da sua origem, estas mudanças podem ser justificadas com outras causas: “é uma fase”, “ele está na idade parva”, “os miúdos são assim”, “é porque é rapaz”, ou várias outras razões que escondem a perceção de que foi vítima de violência sexual. Desta forma, o abuso passa despercebido e este modo de funcionar incorpora-se na realidade do sobrevivente e passa a integrar a sua narrativa: “eu sempre fui assim”, “é a minha personalidade”.
Com ou sem consciência, o sobrevivente cresce a lidar com as consequências da violência sexual, que muitas vezes geram dano e sofrimento, crendo que não pode ser de outra forma, até ao momento em que toma consciência do abuso de que foi vítima. Quando isto acontece, é confrontado com uma mudança de narrativa que pode implicar pôr em causa a sua própria personalidade. De repente, a sua forma de ser e de agir que considera suas desde sempre, que até lhe trouxe dissabores ou mesmo sofrimento ao longo da vida, são resultado daquele episódio ou episódios. Este choque e confronto com a realidade pode ser difícil de processar, o sentimento de culpa e a noção de envolvimento no abuso “porque eu quis”, “porque eu permiti”, “porque eu não pedi ajuda”, podem ser devastadoras.
A todos os sobreviventes, importa clarificar e reforçar que a culpa e responsabilidade é unicamente do(s) abusador(es) ou abusadora(s), e que a tomada de consciência do abuso e das suas consequências pode ser uma oportunidade para a mudança e que, independentemente do impacto que o abuso tenha tido em si, é um sobrevivente.
Se foi abusado sexualmente e precisa de apoio contacte-nos através do email: apoio@quebrarosilencio.pt ou da Linha de Apoio 910 846 589
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