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22 de Novembro de 2021

As vítimas também podem ter comportamentos abusivos?

Muitos homens vítimas de violência sexual receiam que o abuso de que foram vítimas os “transforme” em abusadores. É um receio motivado pela desinformação, por mitos e crenças relacionadas com a violência sexual. No entanto, é importante sublinhar que esta preocupação passa pelo facto de terem sido abusados, e não é factual que esta “transformação” aconteça. Ou seja, a grande maioria dos homens que passaram por situações de abuso não abusam de ninguém no futuro.

Existe, todavia, um ou mais eventos que podem acontecer na vida de um sobrevivente que pode suscitar dúvidas e impedir o homem de procurar ajuda. Vemos por vezes casos em que os homens, ainda na infância ou início da adolescência, reproduzem alguns comportamentos sexualizados para com outras crianças. No entanto, os mesmos acontecem sem qualquer intenção ou noção de abuso.

É natural que, ao passar por uma ou mais situações de violência sexual, um menino possa normalizar este tipo de comportamento na relação com o outro e acabe por transportá-lo para as suas relações de pares. Muitos dos abusadores de crianças, usam estratégias de manipulação que têm como objetivo integrar determinados comportamentos como “normais”, ou mesmo como brincadeiras, e dessensibilizar a criança para que não os perceba como algo negativo. Com este processo de sedução, muitas das vezes a criança é levada a normalizar o que lhe está a acontecer, sendo que posteriormente a reprodução de alguns desses comportamentos é, para si, natural e sem qualquer conotação de abuso.

Estes comportamentos de reprodução enquadram-se num largo espetro e podem ir desde um toque ligeiro no braço ou na perna da outra criança, exposição da genitália, a atos penetrativos. Independentemente dos seus contornos, o impacto desta vivência pode ser significativo no homem que foi vitimado. Ou seja, em vida adulta, este homem pode rever esses momentos como atos de abuso, equipará-lo ao abuso que sofreu e julgar-se, a si próprio, como se fosse ele próprio um abusador. Assim, com o seu crescimento e mudança de perspetiva sobre a sua história, é comum que alguns dos homens olhem para trás e se culpabilizem pelos seus comportamentos, mas é importante recordar que eram apenas crianças, também elas vítimas, que reproduziram o que lhes havia sido ensinado como natural.

Se tem dúvidas ou se se identifica neste texto enquanto vítima de violência sexual, contacte-nos através da Linha de Apoio 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt